Por: Prof. Dr. Gilciano Menezes Costa
O Parque Natural Municipal Paleontológico de São José de Itaboraí (PNMPSJI) está localizado no bairro de São José, distrito de Cabuçu, no município de Itaboraí (RJ). A Bacia de São José de Itaboraí (ou Bacia de Itaboraí) foi descoberta em 1928 pelo engenheiro Carlos Euler, que após analisar um suposto caolim localizado na Fazenda São José, pelo seu então proprietário Ernesto Coube, constatou que o mesmo se tratava de calcário [1].
Diante da descoberta, diversos pesquisadores foram enviados ao local, entre eles destacam-se os nomes de Rui Lima e Silva e Othon H. Leonardos. Estes realizaram prospecções e encontraram uma grande quantidade de fósseis de gastrópodes continentais, despertando, dessa maneira, o interesse científico para a região. Ao mesmo tempo, as pesquisas preliminares de campo e as análises químicas demonstraram boas perspectivas de exploração do calcário para a fabricação de cimento do tipo Portland, estimulando assim, e também, o interesse econômico pelo local [2].
A Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá (CNCPM) explorou a pedreira dessa região entre os anos de 1933 a 1984. O cimento produzido a partir do calcário extraído da Bacia de São José de Itaboraí foi utilizado na construção de diversos grandes empreendimentos no Estado do Rio de Janeiro, destacando-se a construção do Maracanã e da Ponte Rio-Niterói, tendo suas obras iniciadas, respectivamente, em 1948 e 1969. Esse cimento era produzido em Guaxindiba, no município de São Gonçalo. É relevante mencionar que essa exploração também proporcionou a “descoberta de abundante fauna de gastrópodes terrestres e mamíferos, assim como de anfíbios, répteis, aves e alguns vegetais” [3].
Em 1984, com a paralisação das atividades extrativas no local, ocorreu o desligamento do sistema de bombeamento do lençol freático. Com o decorrer dos anos, a água passou a se acumular no fundo da bacia, gerando a formação de um novo lago (Lagoa de São José) na depressão de aproximadamente 70 m, sendo esta uma área degradada pela extração do calcário. Após esse período, essa água passou a ser utilizada pela população local, através do fornecimento realizado pela Cooperágua, cooperativa da região que tinha recebido da Prefeitura uma concessão para esse fim. Esse abastecimento de água foi encerrado em 2015 [4].
Figura 1: Lagoa de São José (13/12/2024)
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Fonte: Acervo pessoal
É meritoso reconhecer a relevante contribuição para o conhecimento geopaleontológico de Itaboraí do geólogo Victor Leinz, que realizou a primeira descrição dos sedimentos da bacia na década de 1930, e do paleontólogo Carlos de Paula Couto, que identificou a maior parte das espécies dos mamíferos de Itaboraí entre as décadas de 1940 e 1970 [5].
A Bacia de São José de Itaboraí é o mais antigo registro brasileiro da fauna e flora fóssil de origem continental, datados do período Paleoceno-Eoceno, há cerca de 57 milhões de anos. Na região foram encontrados “fósseis de mamíferos de alta relevância para o entendimento da evolução destes animais após a extinção dos dinossauros” [6]. Essa região é também conhecida como “berço dos mamíferos”, termo utilizado em alusão à condição primitiva dos fósseis de mamíferos preservados no local. Diante da abundância, qualidade e diversidade de fósseis de mamíferos e de sua importância para o entendimento da evolução dos mamíferos sul-americanos, uma das Idades Mamíferos Terrestres Sul Americanas foi nomeada de Itaboraiense, o que lhe confere um valor patrimonial de âmbito internacional [7]. Entre os fósseis de mamíferos localizados na Bacia de São José, estão a preguiça gigante e o mastodonte [8].
Figura 2: Preguiça Gigante e o Mastodonte
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Fonte: Acervo do PNMPSJI
A ocupação humana, estudada pela arqueologia, também é antiga e deixou seus registros na bacia. Foram encontrados artefatos confeccionados pelo homem pré-histórico no Morro da Dinamite (parte mais alta do local), como perfurador, buris, raspadores e “facas”. Através do método do Carbono 14, esses utensílios do homem primitivo de Itaboraí foram datados de 8.100 anos antes do presente (AP) [9].
No decorrer das décadas de 1960 e 1970, concomitante à exploração de calcário na região, a Bacia de São José de Itaboraí era chamada de “bacia escola”, na medida em que recebia estudantes universitários de cursos de Geologia e Biologia de diferentes universidades [10].
Durante pouco mais de 50 anos de exploração de calcário, a Bacia de São José, paralelamente às atividades de mineração, foi objeto de estudos científicos desenvolvidos por paleontológicos, geólogos e arqueólogos. Os materiais coletados durante esse período foram depositados em instituições de ensino e pesquisa no Rio de Janeiro (Museu de Ciências da Terra, Departamento Nacional da produção mineral, Museu Nacional e Departamento de Geologia, estes dois últimos administrados pela UFRJ), no Rio Grande do Sul (Fundação Zoobotânica desse estado) e em Nova York, nos Estados Unidos (American Museum of Natural History) [11].
Em 1990, através do Decreto Municipal n. 42 de 2 de abril, a Fazenda São José foi desapropriada e caracterizada como uma área de utilidade pública. Uma das justificativas apresentadas no decreto para esse ato era de que fosse instalada na região uma escola agrícola. Em 12 de dezembro de 1995, ocorreu a criação oficial do Parque Paleontológico de São José, conforme determinava a Lei municipal n. 1.346/95.
A partir de meados dos anos 2000, ocorreu um aumento dos esforços para a revitalização do Parque Paleontológico, como a reforma dos galpões, a criação de um museu, a instalação de sala de vídeo e laboratórios, a reabertura do acesso à cava, a construção de um mirante na borda da bacia e o envolvimento de estudantes do Ensino Médio local através de projetos [12].
A partir desse contexto, a presença de iniciativas de instituições de fomento de ensino e pesquisa aumentaram. Entre elas, destaca-se o projeto Jovens Talentos. Essa proposta representa uma parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), buscando estimular a inserção de estudantes de Ensino Médio público, através da concessão de bolsas, no ambiente científico do parque. Dessa maneira, esses estudantes aprendem diretamente a riqueza de conhecimentos científicos do parque e são orientados, por pesquisadores vinculados ao projeto, a transmitirem o que aprenderam, seja através da recepção de novos visitantes ou no compartilhamento de informações com seus amigos, familiares e em suas redes sociais. Entre os diversos apoiadores desse projeto, dois nomes se destacam, o de Maria Angélica Paiva, que levou durante anos estudantes do Colégio Estadual Visconde de Itaboraí no parque, e do atual coordenador, o pesquisador Luiz Otavio Rezende Castro.
O Parque Natural Municipal Paleontológico de São José de Itaboraí constitui um espaço de expressiva riqueza de conhecimento interdisciplinar com reconhecimento científico internacional, onde a produção paleontológica, geológica, arqueológica e histórica estão presentes e dialogam constantemente. O aumento de parcerias com instituições de ensino e pesquisa e com o poder público de diferentes esferas é essencial para a continuidade das iniciativas realizadas no parque. Assim, será através da valorização e preservação desse espaço que ele continuará sendo um ambiente destinado à ciência, à cultura, ao geoturismo e ao lazer. Dessa forma, a produção do conhecimento cientifico no país ganhará ainda mais com isso!
Bibliografia:
[1] BERGQVIST, Lílian Paglarelli et al. Bacia de São José de Itaboraí: 75 anos de história e ciência. Rio de Janeiro: Serviço Geológico do Brasil – CPRM, 2006. A Fazenda São José é a antiga Fazenda Salvaterra.
[2] Ibidem.
[3] Ibidem.
[4] CAVULLA, Rondelly Soares. Parque Paleontológico São José de Itaboraí: uma proposta participativa. Monografia de especialização em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde. Rio de Janeiro, Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, 2010; Diálogo realizado com o coordenador do parque Luiz Otavio Rezende Castro. Itaboraí, Rio de Janeiro, 15 dez 2024.
[5] BERGQVIST LP, MANSUR K, RODRIGUES MA, RODRIGUES-FRANCISCO BH, PEREZ R AND BELTRÃO MC. 2008. Bacia São José de Itaboraí, RJ. Berço dos mamíferos no Brasil. In: Winge M, Schobbenhaus C, Souza CRG, Fernandes ACS, Berbert-Born M and QUEIROZ ET (Eds), Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil. Brasilia: CPRM, Brazil, p. 1-16.
[6] BERGQVIST, Lílian Paglarelli et al. Roteiro Geoturístico pelo Parque Paleontológico de São José de Itaboraí, RJ. Anais do III Simpósio Brasileiro de Patrimônio Geológico, Lençois, Chapada Diamantina, Bahia, 2015.
[7] BERGQVIST LP, MANSUR K, RODRIGUES MA, RODRIGUES-FRANCISCO BH, PEREZ R AND BELTRÃO MC, op. Cit.
[8] Placa informativa pertencente ao Acervo do Parque intitulada Ponto de interesse Geológico: Parque Paleontológico de São José de Itaboraí.
[9] Ibidem. Antes do presente (AP) é uma marcação de tempo utilizada na arqueologia, paleontologia e geologia.
[10] BERGQVIST, Lílian Paglarelli et al. Roteiro Geoturístico… Op. Cit.
[11] BERGQVIST, Lílian Paglarelli et al. Bacia de São José de Itaboraí… Op. Cit.
[12] BERGQVIST, Lílian Paglarelli et al. Roteiro Geoturístico… Op. Cit.
Gilciano Menezes Costa é formado em História pela UFF, com Mestrado e Doutorado pelo PPGH-UFF. Professor de História, Filosofia e Sociologia na rede estadual de ensino em Itaboraí. Idealizador do projeto História de Itaboraí e Região.
Acesse para saber mais sobre o projeto História de Itaboraí e região.
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