Por Prof. Dr. Gilciano M. Costa
A praça em destaque na imagem representa um dos núcleos iniciais de povoamento de Itaboraí [1]. As edificações construídas nesse espaço acompanharam o desenvolvimento da estrutura político-administrativa do município, sendo precedidas pelas construções religiosas, como a Igreja de São João Batista (1627-1782). De principal espaço de circulação dos moradores desde a época em que a região ainda era uma freguesia, tornou-se a sede político-administrativa da Vila, em 1833, quando Itaboraí se emancipou da Vila de Santo Antonio de Sá [2].
Conhecida durante boa parte do século XIX como “Largo da Matriz”, a praça teve sua nomenclatura modificada, no início da década de 1870, para “Praça General Osório”, sendo este um militar monarquista que ganhou mais notoriedade com a Guerra do Paraguai. Posteriormente, em 1890 – no contexto republicano -, sua nomenclatura foi novamente alterada para “Praça Generalíssimo Deodoro da Fonseca” e, em 1892, para “Praça Marechal Floriano Peixoto”, permanecendo com esta denominação até os dias atuais [3].
Nota-se que as homenagens e, logo, as tentativas de alinhamento político foram realizadas tanto no enaltecimento do nome de um personagem militar de destaque da Monarquia (Manuel Luís Osório), assim como de dois presidentes militares da República (Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Vieira Peixoto) e isso em um intervalo de tempo relativamente curto, o que demonstra o clima de instabilidade e incerteza política na percepção das representações políticas locais do período. Como pode ser observado, as homenagens eram realizadas pela forma como esses personagens eram conhecidos no período do ato realizado, tendo a menção da patente militar máxima – que cada um possuía naquele momento – como a primeira expressão da nomenclatura da praça. Prática que além de prestigiar o personagem escolhido, buscava enaltecer a representatividade do exército.
Essas ações ocorreram nesse espaço pelo fato dessa praça ser o principal local de reunião onde boa parte dos itaboraienses se encontravam, sobretudo aqueles que de alguma forma atuavam na esfera política local e regional. Além do acesso à estrutura política-administrativa da vila, os moradores iam na praça por diferentes finalidades, seja por fins econômicos ou para o acesso de atividades religiosas e outras práticas culturais, realizando, dessa maneira, diversas ações sociais.
Isso se explica pelo fato de que a partir do final da década de 1840 (e até o final da Primeira República), a praça era composta, principalmente, pela casa da Câmara Municipal e Cadeia, pelo Teatro, pela Igreja Matriz de São João Batista, pela Casa do Comércio e por diversas edificações residenciais e algumas outras comerciais. Era, portanto, o principal espaço público de Itaboraí (e continua sendo), onde as tomadas de decisões na esfera municipal eram realizadas (parte delas ainda são) e onde movimentações diversas ocorriam, sejam elas comerciais, culturais ou sociais. Logo, essa praça era (e ainda é) o principal espaço representativo de Itaboraí, um local privilegiado de práticas políticas e de ressignificações das ações e intenções dos agentes sociais e políticos que atuavam na vila. Era um ambiente de intensas disputas políticas realizadas em diferentes contextos, seja pelo debate público aberto ou por práticas simbólicas em caráter de homenagem, como as nomeações (já citadas) de personagens consagrados na política nacional [4].
Em tempos atuais, a Praça Marechal Floriano Peixoto se tornou o Centro Histórico de Itaboraí, na medida em que seu espaço reúne boa parte das edificações – construídas no período colonial e em sua maioria no Império – tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC) [5].
Essas construções, somadas a todas as diversas performances, práticas, ações, ressignificações e às variadas simbologias que o debate público gerado pelas culturas políticas em disputa (de diferentes períodos) realizaram nesse espaço, viabilizam afirmar que essa praça é um dos principais “locais de memória” da cidade.
Por fim, cabe ressaltar que o fato do poder público de Itaboraí manter o mesmo nome (Praça Marechal Floriano Peixoto), desde 1891, de um dos principais espaços de sociabilidade e de bens históricos do município, demonstra que, desde este período, nenhum itaboraiense foi contemplado com esse rito de homenagem. Isso é lamentável, pois além da cidade ter diversos itaboraienses consagrados na História do Brasil – como o Joaquim Manuel de Macedo que foi médico, político, jornalista, romancista, memorialista e professor – o poder público local, de longa data, continua conivente com a contemplação do nome de um personagem que ficou conhecido como “Marechal de Ferro”, devido ao uso da violência que utilizava contra seus opositores.
Logo, a ação de alterar o nome da Praça para Joaquim Manuel de Macedo representa o rompimento de se homenagear personagens de fora com histórias vinculadas à violência, para valorizar personagens da própria cidade e vinculados à produção do conhecimento. A nossa história e a nossa cidade merecem tal ato!!!
Fontes e bibliografia:
[1] VASCONCELLOS, Clodomiro R. de. Álbum do Estado do Rio de Janeiro: 1922. Centenário da independência do Brasil. [Rio de Janeiro: s. n.], 1922. É relevante mencionar que o primeiro núcleo de povoamento de Itaboraí foi desenvolvido nas regiões próximas ao rio Macacu, na região do atual Porto das Caixas.
[2] ARAÚJO, José de Souza Azevedo Pizarro. (Monsenhor Pizarro) O Rio de Janeiro nas visitas pastorais de Monsenhor Pizarro: Inventário da arte sacra fluminense. 1753 – 1830. Vol. II. RJ. INEPAC. 2009, pp. 223-245; Idem. Memórias Históricas do Rio de Janeiro. RJ. Edição original, Imprensa Régia. Livro II. 1820, pp. 199-209. BRASIL. Decreto de 15 de janeiro de 1833. Coleção das Leis do Império do Brasil. RJ: Typographia Nacional, parte segunda, 1873, p. 28. Disponível em: https://cutt.ly/leis_imperio1. Acesso em: 13 jun. 2024.
[3] Constatação realizada pela leitura do Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro entre os períodos de 1850-1885 e 1891-1893; VAINFAS, Ronaldo. Manuel Luís Osório. In: ______ (org). Dicionário do Brasil Imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2008, p. 515-516.
[4] Sobre as construções citadas ver: MACEDO, Joaquim Manuel de. S. João de Itaborahy. Ostensor Brasileiro. Op. Cit., p. 180.
[5] As edificações localizadas na Praça Marechal Floriano Peixoto que foram tombadas pelo IPHAN são o prédio da Prefeitura Municipal de Itaboraí (1964) e a Igreja Matriz de São João Batista (1970). Já o INEPAC tombou a Câmara Municipal (1979). Nesse mesmo espaço, há também a presença de diversas outras construções que foram tombadas pela esfera municipal. Para saber mais ver: CONDURU, Roberto; FERNANDES, Rui Aniceto Nascimento; GONÇALVES, Márcia de Almeida; REZNIK, Luís. Patrimônio Cultural no Leste Fluminense: História e memória de Itaboraí, Rio Bonito, Cachoeiras de Macacu, Guapimirim e Tanguá. Rio de Janeiro: EdUERJ; PETROBRAS, 2013, p. 55-187; CABRAL, Carlos. Itaboraí e suas histórias: conheça, valorize e divulgue. 8º Simpósio de Educação de Itaboraí. 2010.
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Gilciano Menezes Costa é formado em História pela UFF, com Mestrado e Doutorado pelo PPGH-UFF. Professor de História, Filosofia e Sociologia na rede estadual de ensino em Itaboraí. Idealizador do projeto História de Itaboraí e Região.
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