Escrito pelo prof. Dr. Gilciano Menezes Costa
O jornal O Itaborahyense foi lançado no dia 19 de janeiro de 1895 e criado por Hermeto Luiz da Costa. Nesse período, Costa – que também era chamado de “Velho Hermeto” – já era considerado como um expoente da imprensa periódica fluminense, visto que atuava como compositor, impressor e jornalista, ofícios que dificilmente eram executados pela mesma pessoa.
O primeiro trabalho desse jornalista na imprensa local foi realizado, em 1862, no jornal Nova Era, periódico publicado em Porto das Caixas. Posteriormente, ele passou a produzir seus jornais, lançando O Social (em 1886), A União (1890), A Lucta (1893) e O Itaborahyense (1895), todos impressos em tipografia própria localizada na rua São João, “atrás” da Igreja Matriz de São João Batista.
Os números do Itaborahyense eram publicados uma vez por semana (hebdomadário) e na maioria das vezes aos domingos. Seus exemplares, com dimensões de 37×27, continham quatro páginas (na grande maioria de seus números) e seus textos eram distribuídos em três colunas, como pode ser observado na imagem em destaque.
Primeira página do nº 47 do Itaborahyense (1896)

A comercialização desse impresso era realizada através de assinaturas e de forma avulsa (em menor proporção), além da venda de publicações nos anúncios, de textos de alguns leitores e, em alguns momentos, no recebimento pela publicização de informações oficiais das autoridades locais, dependendo da relação política que o “Velho Hermeto” e seu filho (Hermeto Júnior) tinham com a Câmara Municipal.
No ano de 1900, Hermeto Júnior assumiu como o gerente do jornal, embora Hermeto Luiz da Costa tenha continuado como o seu proprietário e em alguns momentos tenha voltado para a gerência. Apesar de Costa ter falecido em 1921 (com 81 anos), a primeira interrupção das impressões do Itaborahyense ocorreu apenas em 1930, com a morte de Hermeto Júnior (com 55 anos).
Cabe ressaltar que Hermeto Luiz da Costa era monarquista, abolicionista e integrante do Partido Liberal. Sua atuação política na cidade nas últimas décadas do século XIX gerou conflitos com diversos indivíduos dentro e fora de Itaboraí, sobretudo nos anos próximos à Proclamação da República. Diante disso, a perseguição política foi uma realidade presente durante a produção de todos os seus jornais, variando a intensidade de acordo com os períodos de maiores disputas políticas. Então, quais os motivos do Itaborahyense ter tido sua primeira interrupção apenas em 1930 e os demais periódicos terem alcançado uma curta duração de tempo de publicação?
Primeiro deve se considerar o período transitório e de árdua disputa de projeto político de nação em que os jornais O Social, A União e A Lucta foram impressos. O final da década de 1880 – com o embate entre Monarquia e República e entre abolição e escravidão – e o início da década de 1890 – período de intensa disputa pela condução da República – foram contextos de intensas instabilidades políticas e, logo, de maiores ataques aos jornais opositores às transformações políticas em curso.
A perseguição política objetivando a interrupção da impressão dos jornais era realizada por diversas formas de sabotagens – seja pelo não pagamento intencional das assinaturas do jornal pelos leitores, como pelo impedimento da distribuição do mesmo – e pela violência direta, tanto pelas contínuas ameaças de morte que os Hermetos recebiam, como pela prática orquestrada por alguns indivíduos em jogar “foguetes” (tipo de fogos) dentro da tipografia de seus jornais.
Como resposta o “Velho Hermeto”, junto com seu filho, interrompia a impressão de seus periódicos e esperava um tempo para os ânimos baixarem e depois lançava outro periódico com o título alterado. Em menos de 10 anos eles criaram quatro jornais com denominações diferentes, embora essas folhas tenham sido impressas em mesma tipografia e, com raras exceções, com a mesma estrutura.
Embora O Itaborahyense tenha sido lançado em um período (janeiro de 1895) em que a proposta política de República tenha alcançado mais “solidez”, quando comparada com o período anterior, deve-se considerar que ainda era um contexto de conflitos e, logo, de corriqueiros embates entre esses jornalistas e os grupos políticos incomodados com suas publicações. Contudo, o aumento das articulações políticas dos integrantes do jornal na cidade e a ampliação do apoio de outros agentes sociais – obtida com a intensificação das publicações de demandas populares no decorrer dos anos – foram determinantes para a manutenção das impressões do Itaborahyense sem interrupções, entre os anos de 1895 e 1930.
Com o subtítulo “órgão do interesse do povo”, O Itaborahyense realizou diversas campanhas para publicizar demandas populares existentes na cidade. Essas iniciativas foram parte integrante de um conjunto de articulações políticas desenvolvidas pelos Hermetos e seus colaboradores.
Dessa maneira, o jornal se tornou um espaço público para que a parcela da população mais humilde da cidade tivesse “voz”. Embora essa característica tenha sido iniciada no período imperial com O Social (de forma tímida), ela se desenvolveu de forma expressiva com as publicações do Itaborahyense. Isso contribuiu para a propagação de um prestígio desses jornalistas (e do seu jornal) entre os setores populares de Itaboraí e consequentemente para o fortalecimento de suas articulações políticas na cidade e para a manutenção das vendas de seus números até a década de 1930.
Dessa maneira, constatou-se que a prática de denúncias sociais desenvolvida com o decorrer dos anos em seus jornais viabilizou melhores condições para que os Hermetos reagissem às pressões, conflitos e intimidações que receberam.
A “retórica da neutralidade” presente anteriormente no Social e a “retórica da União” difundida no periódico A União foram sendo substituídas pelo predomínio da explicitação de posicionamentos diretos e com alvos definidos para atender às demandas populares, desenvolvendo assim uma ampliação da relação de força política que possuíam na cidade e uma propagação da representatividade do Itaborahyense como o principal espaço de publicizações de informações de Itaboraí e de municípios circunvizinhos.
O Itaborahyense, e os demais jornais produzidos pelos Hermetos, representaram um espaço de fermentação intelectual e política em Itaboraí. Um lugar de sociabilidade que agregou pessoas em torno de ideias e projetos coletivos, ou seja, um ponto de encontro de itinerários individuais unidos em torno de um credo comum.
Após a interrupção da impressão do Itaborahyense em 1930, sua publicação só foi retomada em dezembro de 1944 por Heitor Costa (neto do fundador do jornal). Contudo, novamente, as impressões pararam em 1946. O novo retorno ocorreu apenas em 1952, estendendo seu funcionamento até 1988. Em 1993, o jornal voltou a ser publicado, tendo seu Heitor o apoio de seu filho Heimar Costa e, em 1996, a contribuição de Simão Miguel. Em 1998 ocorreu outra interrupção e dessa data em diante ocorreram algumas tentativas de retomada de sua produção, mas sem o êxito esperado.
Portanto, mesmo com as interrupções, O Itaborahyense foi publicado durante 88 anos e sempre com o protagonismo de algum descendente de Hermeto Luiz da Costa e com o apoio de diversos colaboradores. Toda essa produção periódica representa uma expressiva contribuição para a História da Imprensa Fluminense e para a História de Itaboraí.
Bibliografia:
COSTA, Gilciano Menezes. Imprensa e História Local: os jornais de Itaboraí e as lutas políticas no período imperial. Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 2022. Disponível em: https://www.historiadeitaborai.org/_files/ugd/5ada89_3be2743295cc45e997baeb330343f02c.pdf. Acesso em 15 jan. 2024.