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A Avenida Nossa Senhora da Conceição em Porto das Caixas: Um dos lugares de memória em Itaboraí

Texto de Gilciano Menezes Costa

A Avenida Nossa Senhora da Conceição em destaque na imagem, fotografada em 1971, representa um dos principais lugares de memória de Itaboraí. Segundo o pesquisador Pierre Nora, lugar de memória é “toda unidade significativa, de ordem material ou ideal, que a vontade dos homens ou o trabalho do tempo converteu em elemento simbólico do patrimônio memorial de uma comunidade qualquer” [1].

Diante dessa constatação, torna-se producente elencar alguns fatos históricos do século XIX, entre tantos outros existentes, que ocorreram nesse lugar para a partir daí gerar reflexões sobre a relevância desse espaço para a história local de Itaboraí.

O dinamismo dos episódios históricos desse lugar está diretamente associado a um dos principais escoadouros da produção agrícola do interior do Rio de Janeiro no Segundo Reinado: o Porto das Caixas.

A Avenida Nossa Senhora da Conceição era o principal meio de acesso a esse porto. Este chegou a se tornar, segundo o Relatório de Presidente de Província de 1857, o terceiro maior porto em ordem de importância econômica da Província do Rio de Janeiro, recebendo a produção do próprio “município de Itaboraí, Santo Antonio de Sá, Friburgo, parte de Cantagalo, Rio Bonito, Saquarema, Maricá e Capivari” [2].

Anterior ao advento da ferrovia, as mercadorias eram trazidas em tropas de mulas até o Porto das Caixas no rio Aldeia. Daí em diante, os produtos eram levados por pequenas embarcações a velas pelo rio Macacu e atravessavam a Baía de Guanabara até desembarcarem nos portos da Corte [3].

Toda essa movimentação de pessoas, animais e mercadorias fez com que essa avenida se tornasse uma das principais áreas de passagem do Recôncavo da Guanabara.

Diante do dinamismo econômico dessa região, é interessante mencionar que há registros de variadas personalidades da História do Brasil visitando o Porto das Caixas. Por exemplo, diversos jornais noticiaram que o Imperador D. Pedro II, das vezes que visitou essa localidade, esteve no Porto das Caixas em 1847, quando realizou sua viagem pelo interior da Província, e em 1860, por conta da inauguração da primeira seção da Estrada de Ferro de Cantagalo [4].

Essa inauguração contou também com a presença de diversos expoentes da política e da economia nacional do período, entre eles destacam-se o Visconde de Barbacena, o Barão de Nova Friburgo (detentor de vultuosa fortuna) e, o nosso conterrâneo, o Visconde de Itaboraí [5].

Um número expressivo de viajantes também passou por essa Avenida para conhecer o Porto das Caixas e o centro comercial que funcionava nesse local. Entre eles destaca-se o Príncipe Adalberto da Prússia que, em 1842, mencionou que era grande o “movimento que reina nesse porto, o que era igualmente indicado pelas numerosas e grandes vendas” [6].

Cabe ressaltar que todo esse contexto de dinamismo econômico se desenvolveu no período da escravidão. Assim sendo, a circulação de africanos de diferentes etnias e escravizados nascidos no Brasil (Crioulos), como também negros libertos e livres, também fizeram parte do cotidiano desse local, sobretudo, nos séculos XVIII e XIX. Por ser uma região portuária, em que o trabalho no transporte de mercadorias era uma necessidade cotidiana, os escravizados barqueiros e tropeiros tiveram uma presença de destaque nessa localidade [7].

As resistências nessa sociedade escravista também fizeram parte da História dessa Avenida e do Porto das Caixas como um todo. Foi nesse local que ocorreu o desfecho da Revolta dos Escravizados da Fazenda da Cruz, em 1860, quando os próprios escravizados capturaram, amarraram e entregaram para as autoridades locais o administrador da fazenda que os torturava além dos próprios limites estabelecidos por aquela sociedade [8].

Por fim, foi embaixo dessa Avenida, precisamente ao lado da Igreja Nossa Senhora da Conceição e entre os dois postes do canto direito da fotografia, que foi construído, entre os anos de 1858 e 1859, o primeiro túnel ferroviário do país [9].

Como pode ser observado, a Avenida Nossa Senhora da Conceição representa um dos principais lugares de memória da cidade e um espaço de relevância significativa para compreender a dimensão do dinamismo econômico que Porto das Caixas, e consequentemente Itaboraí, possuiu no século XIX.

A realização de ações educativas nesse local pelo poder público municipal, como visitações orientadas por profissionais qualificados, representa uma demanda pertinente que precisa ser implementada, de modo a aproximar os moradores da cidade à história do próprio município. A propagação da valorização da história e dos patrimônios da cidade está diretamente condicionada a um olhar mais sensível do poder público em investir em práticas educativas para esse fim, pois, afinal, a ação em educar se desdobra no ato de ensinar a valorizar!

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Bibliografia:

[1] GONÇALVES, Janice. Pierre Nora e o tempo presente: entre a Memória e o Patrimônio Cultural. Historiae, Rio Grande, 3, 27-46, 2012, p. 34. A fotografia em destaque é parte integrante do acervo do Centro de Memória de Itaboraí. Agradeço a gentileza de Alexandra Barbosa Alves por viabilizar o meu acesso a este acervo, na época em que realizei essa pesquisa.

[2] Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro. 1857. p. 69. Disponível em: https://goo.gl/AgyGDf. Acessado em 06/04/2019. A Vila de Capivari corresponde atualmente ao município de Silva Jardim. Para saber mais sobre o dinamismo econômico de Porto das Caixas ver: COSTA, Gilciano Menezes. A produção de café na Vila de São João de Itaboraí e sua comercialização em Porto das Caixas (1833-1875). Revista Cantareira, Niterói: UFF, 32º ed. jan-jun, 2020. Disponível em: https://periodicos.uff.br/cantareira/article/view/38744. Acesso em: 15 out. 2023.

[3] Para saber mais ver: COSTA, Gilciano Menezes. A escravidão em Itaboraí: Uma vivência as margens do rio Macacu (1833-1875). Dissertação de Mestrado. Niterói: UFF, 2013.Disponível em: https://goo.gl/25dQfz.

[4] Annuario político, histórico e estatístico do Brazil. Rio de Janeiro: segundo ano. 1847, p. 351-353; Diário do Rio de Janeiro. Terça-feira, 24 de abril de 1860. Ano XL, N. 30, p.1.

[5] IDEM.

[6] ADALBERTO, Príncipe da Prússia. Brasil: Amazonas-Xingu. Trad. Eduardo de Lima Castro. Brasília: Senado Federal, 2002. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/1084> Acessado em 10/02/2012. Acessado em 06/04/2019.
[7] COSTA, Gilciano Menezes. Op. Cit.

[8] COSTA, Gilciano Menezes. A Revolta dos escravizados da Fazenda da Cruz: Porto das Caixas, 18/01/1860. História de Itaboraí e Região. 13/01/2016. Disponível em: https://goo.gl/iJGXgH. Acesso em: 15 out. 2023.

[9] Relatório do Presidente de Província do Rio de Janeiro. 1858. p. 85; 1859. p. 49. Disponível em: https://goo.gl/AgyGDf. Acessado em 06 abr. 2019.

Gilciano Menezes Costa é formado em História pela UFF, com Mestrado e Doutorado pelo PPGH-UFF. Professor de História, Filosofia e Sociologia na rede estadual de ensino em Itaboraí. Idealizador do projeto História de Itaboraí e Região.

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